quarta-feira, 12 de outubro de 2011

Cartas a um jovem escritor - Mario Vargas Llosa

Existem vários livros de cartas por aí, geralmente com a correspondência entre alguém já consolidado em sua área de atuação e outro ainda inexperiente, ou pouco experiente. Estes livros cobrem diversos assuntos como culinária, religião, empreendedorismo, profissões variadas e é claro, literatura.

No caso da literatura, conheço dois títulos (de mesmo nome): Cartas a um Jovem escritor, da correspondência entre Mario de Andrade e o então jovem Fernando Sabino, e Cartas a um Jovem Escritor, de Mario Vargas Llosa. Tive a oportunidade de ler ambos e considero o ultimo muito superior ao primeiro, então vou me concentrar neste.

Em Cartas a um Jovem Escritor, Mario Vargas Llosa começa com um panorama geral do processo de escrita e um pouco da vida de um escritor. Vocação, fontes de idéias, trabalho solitário, leitura, autenticidade, etc. Este é a parte mais curta do livro, porém tem conteúdo para muita reflexão, e talvez seja a parte do livro que mais me agradou.

Depois, ele entra com capítulos sobre peculiaridades do trabalho de escrita e prática literária: Persuasão, estilo, narração e tempo. A partir daqui, o livro se torna mais objetivo, e Llosa avalia aspectos do romance, e passa a utilizar vários exemplos de livros de escritores como Melville, Flaubert, Hemingway, Faulkner, entre vários outros. Vários romances destes autores são citados com detalhes, e sua lista de títulos aguardando leitura vai aumentar, pois sem duvida você vai querer conhecer as técnicas citadas com maior detalhe, “in loco”.

Por último, são apresentadas técnicas de narração, que costumam variar em nomes, mas que aparecem no livro como Caixa chinesa, Dado Escondido e Vasos comunicantes. Você talvez reconhecerá estas técnicas em livros lidos no passado, onde durante a leitura talvez não tenha se apercebido da intencionalidade de uso de tais técnicas. Nestes últimos capítulos permanecem os detalhes e exemplos utilizando grandes romances da literatura mundial.

Quanto aos livros que cita, Llosa faz comentários sobre o autor, e diz sem nenhuma enrolação se aquele lhe agrada ou não, o que é legal, pois muitas vezes as criticas negativas são evitadas, o que não acontece neste livro.

Recomendo. Abaixo alguns curtos trechos do livro e a ficha para quem quiser comprar o seu.

Trecho do primeiro capitulo de Cartas a um Jovem Escritor, de Mario Vargas Llosa
“Talvez o atributo principal da vocação literária seja o fato de que quem a possui vivencia o exercício dessa vocação como a sua melhor recompensa, muito, muito superior a qualquer coisa que pudesse obter como conseqüência de seus frutos. Esta é uma certeza que tenho entre as minhas muitas duvidas quanto a vocação literária: o escritor sente intimamente que escrever é a melhor coisa que jamais lhe aconteceu, e pode acontecer, pois escrever significa para ele a melhor maneira possível de viver, independente dos resultados sociais, políticos ou financeiros que possa alcançar com o que escreve.”

Trecho do segundo capitulo de Cartas a um Jovem Escritor, de Mario Vargas Llosa, sobre os temas de ficção.
“Atrevo-me a ir um pouco além na discussão dos temas de ficção. O escritor não escolhe seus temas: é escolhido por eles. Escreve sobre certos assuntos porque certas coisas se passaram com ele. Na escolha de um tema, a liberdade do autor é relativa, talvez inexistente. De toda maneira, incomparavelmente menor do que a que tange à forma literária, onde, me parece, a liberdade – a responsabilidade – do escritor é total. A minha impressão é de que a vida – palavra de peso, estou ciente – lhe impõe os temas através de certas experiências que ficam registradas em seu consciente ou subconsciente e que depois o compelem a livrar-se delas transformando-as em histórias. Nem é preciso buscar exemplos de como os temas da vida se impõem aos escritores através da experiência, porque todos os testemunhos costumam coincidir neste ponto: essa história, esse personagem, essa situação, esse mistério me perseguiu, me obcecou, me importunou como uma exigência vinda do íntimo da minha natureza, e tive que escrevê-la para me ver livre dela...”

Trecho do quarto capitulo de Cartas a um Jovem Escritor, de Mario Vargas Llosa, sobre o estilo.
“A verdade é que essas palavras são as histórias que contam. Conseqüentemente, quando um escritor toma de empréstimo um estilo, a literatura produzida soa falsa, uma mera caricatura. Depois de Borges, García Márquez é o escritor mais imitado da língua espanhola, e embora alguns de seus discípulos tenham se saído bem – isto é, tenham atraído muitos leitores -, a obra, independente do cuidado do discípulo, não adquire vida própria e sua natureza secundária e artificial fica logo evidente. A literatura é puro artifício, mas a boa literatura é capaz de ocultar tal fato, enquanto a medíocre o delata.
 

Embora me pareça já lhe ter dito, com o acima, tudo que sei sobre estilo, como sua carta pede conselhos práticos, dou a você este: já que não é possível sem um romancista sem ter um estilo coerente e necessário, e visto que você deseja sê-lo, busque e encontre o seu estilo. Leia muitíssimo, porque é impossível  ter uma linguagem rica e desenvolta sem ler um bocado de boa literatura, e tente, com todas as suas forças, pois não é tão fácil assim, evitar imitar os estilos dos escritores que admira e que lhe ensinaram a amar a literatura. Imite-os em tudo o mais: na devoção, na dedicação, na disciplina, nos hábitos, e adote, se julgá-las válidas, as suas convicções. Tente, porém, fugir da reprodução mecânica dos padrões e ritmos da escrita de terceiros, pois se você não for capaz de desenvolver um estilo pessoal, aquele que mais convém ao que você pretende contar, suas histórias dificilmente conseguirão se embeber do poder de persuasão que as fará viver.”


Cartas a um Jovem Escritor (tradução de Cartas a um joven novelista)
Mario Vargas Llosa
ISBN: 10 - 85-352-2110-7
Ano: 2006 (Brasil). Original de 1997

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